Monday, February 26, 2018

Aquele teto


          Todo mundo fala da crise dos 30... fazer 30 anos é um marco, nada será igual, agora você é realmente adulto, etc, etc... QUE BOBAGEM! Experimente fazer 50! Isso, cinquenta! Meio século de vida! Aí sim, o bicho pega.
            Acordei e esses foram os primeiros pensamentos que me invadiram. Olhei para o lado e fitei minha esposa ainda adormecida... Olhei para o teto na esperança de mudar o rumo daquela prosa interior... Lembrei então de ouro teto, mais encardido e amarelado, do barulho dos pássaros e do cheiro de café vindo da cozinha...
            Ai que frio! Morar na roça é assim, acordamos antes das galinhas (literalmente), tudo escuro, que pregui... Anda menino! Acorda de uma vez! Já está passando da hora! Sim, minha mãe não poupava pulmões logo cedo. Também, não tínhamos vizinhos para reclamar, o mais próximo ficava a mais de uma hora de caminhada rija. E eu achando que hoje ia ser diferente...
            Afinal, 14 anos não se faz todo dia! Agora eu sou quase um homem, pelo menos na lei já não sou mais criança. Levanto, troco de roupa e vou tomar café. Minha mãe, pessoa não chegada a delicadezas, me dá um meio abraço e um seco parabéns. Minhas duas irmãs mais novas dão gritinhos. Pelo menos para elas sei que sou o homem que quero ser, pois aos 7 e 9 anos elas são minhas maiores e ardorosas fãs.
            Meu pai já está lá fora, na lida. Daqui a pouco vou pra lá também. Chego e já vou pegando o banquinho, escovão e balde. O pai me dá uma olhada, um aceno mudo e continua o trabalho. Eu gosto desses silêncios, pois eles são só nossos. E me faz valorizar com um fervor incontido suas poucas palavras.
            Depois de uma meia hora ele abre a boca e começa o que penso até hoje ser a nossa mais longa conversa:            
            _ É, fio, ocê hoje fica mais véio. Tu já é meu mió ajudante, ingual eu fui com teu avô. Mais eu num quero que ocê leve essa vida ingual a minha não. Isso aqui é difícil demais, sô! A gente fica véio cedo. Pur isso eu conversei com sua tia Clara.  Ocê vai morar cum ela e istudá. Vai se dotô. Ou professô. O que ocê quisé sê. Nas féria ocê vem visita nóis. Sua tia vem hoje ti buscá.
            Meu assombro não tinha tamanho. Veio uma vontade de chorar. Eu encarava meu pai, que, metodicamente, voltava a ordenhar a vaca. Naqueles segundos, dezenas de pensamentos incompletos brigavam na minha cabeça. Morar na cidade? Desde que me entendo por gente sonho com isso. Mas nunca imaginei que ia se tornar realidade.
            _ Mas pai... se eu for, quem vai ajudar o senhor?
            _ Fio, deixa que eu arresolvo isso.
            Nenhuma palavra mais foi dita. Quando chegamos em casa, minha mãe já tinha arrumado minha bolsa. Agora minhas irmãs choravam baixinho e minha mãe mordia a boca.
            Olho para o teto da cozinha, porque não conseguia mais olhar a minha família. Um suspiro ao meu lado, um toque delicado no meu rosto. Parabéns meu amor! E minha esposa me abraça ternamente. Olho mais um segundo para aquele teto encardido e mentalmente digo o que não consegui dizer no passado: obrigado pai!

*** texto escrito a partir de uma proposta de produção de texto dos meus alunos do 9º ano